Os cristãos não eram o único grupo do primeiro
século que acreditava na existência de anjos. A maioria das seitas do judaísmo,
berço do cristianismo, professava a crença nesses mensageiros celestes, à
exceção provável dos saduceus (At 23.8).
O interesse dos judeus por anjos havia crescido de forma notável durante o
período intertestamentário, quando o segundo templo foi construído, após o
retorno do cativeiro babilônico. É provável que esse aumento de interesse pelos
anjos tenha ocorrido como resultado da ênfase nesse período á idéia de que Deus
havia se distanciado do seu povo, já que não havia mais profetas. A ausência de
profetas, os mensageiros oficiais de Deus ao seu povo, provocava a necessidade
de outros mediadores da vontade divina. Os anjos vieram ocupar esse espaço no
judaísmo do segundo templo.
O aumento do interesse pelo mundo celestial e pelos seus habitantes, os anjos,
nota-se nos escritos judaicos produzidos antes ou logo após o nascimento do
cristianismo. Exemplos desta tendência se percebem em alguns livros apócrifos
(4 Esdras 2.44-48; Tobias 6.3-15; 2 Macabeus 11.6). O mesmo se vê em alguns dos
escritos dos sectários do Mar Morto achados nas cavernas do Wadi Qumran, como o
rolo da Batalha entre os Filhos das Trevas e os Filhos da Luz. Alguns dos
escritos produzidos pelo movimento apocalíptico dentro do judaísmo, mais que os
escritos de outros movimentos, enfatizava o ministério dos anjos (1 Enoque 6.1
ss; 9.1 ss), O interesse pelos anjos se nota até mesmo nos escritos rabínicos
datados a partir do século III (com exceção do Mishnah), e que possivelmente
representam a linha principal do judaísmo no período do segundo templo.
Fora das fronteiras do judaísmo, a crença em anjos, encontrava-se não somente
nas religiões que fervilhavam no mundo greco-romano, mergulhado no misticismo
helênico, como também nas obras dos filósofos e escritores gregos famosos, como
Sófocles, Homero, Xenofonte, Epicteto e Platão. A biblioteca de Nag Hammadi,
descoberta em nosso século (1945) nas areias quentes do deserto egípcio,
apresenta material gnóstico datando do século IV, com uma elaborada
angelologia, onde a distância entre Deus e os homens é coberta por trinta
"archons", seres intermediários, possivelmente anjos, que guardam as
regiões celestes.
Os "Papiros Mágicos" desta coleção contém fórmulas para atrair os
anjos. Embora datando do século IV, estes escritos possivelmente refletem
crenças que já estavam presentes de forma incipiente no mundo greco-romano
desde antes de Cristo. Em contraste aos escritos produzidos cm sua época, a
literatura do Novo Testamento é bem mais discreta e reservada em seus relatos
da atividade angélica.
As palavras mais comuns para "anjos" no Novo Testamento
A palavra mais usada no Novo Testamento para "anjo" é aggelos, que é
a tradução regular na Septuaginta da palavra hebraica Mala'k. Ambas significam
"mensageiro". Aggelos é usada umas poucas vezes no Novo Testamento
para mensageiros humanos, como por exemplo os emissários de João Batista a
Jesus (Lc. 7.24; veja ainda Tg 2.25; Lc 9.52). Na maioria esmagadora das vezes,
a palavra refere-se aos mensageiros de Deus, que povoam o mundo celeste e
assistem em sua presença. Aggelos é usada tanto para anjos de Deus quanto para
os anjos maus.
Existe outro termo no Novo Testamento para se referir aos anjos, o qual só
Paulo emprega: "principados e potestades". Em duas ocasiões é usado
em referência aos demônios (Ef 6.12; Cl 2.13) e em três outras aos anjos de
Deus (Ef 3.10; Cl 1.16; 1 Pe 3.22). Em todos os casos, refere-se ao poder e á
hierarquia que existe entre esses espíritos.
Uma outra palavra usada no Novo Testamento para anjos e pneuma, geralmente no
plural (pneumata), que se traduz por "espíritos". Embora o termo seja
empregado geralmente para os anjos maus e decaídos (quase sempre qualificado
pelo adjetivo "imundo", cf. Mt 12.43; Lc 4.36; At 8.7), é usado pelo
menos uma vez para os anjos de Deus, como sendo "espíritos
administradores" (Hb 1. 14). Alguns estudiosos têm sugerido que
"espíritos" também se refere a anjos em outras passagens onde a
palavra pneumata aparece, como por exemplo 1 Co 14.12. Neste versículo o
apóstolo Pa-ulo aprova e incentiva o desejo dos membros da igreja por pneumata,
expressão quase que universalmente traduzida como "dons espirituais",
devido ao contexto.
De acordo com E. Earle Ellis, Paulo, na verdade, não se refere a dons
espirituais, mas aos anjos que estavam presentes aos cultos (1 Co 11. 10). Sua
tese é que existe uma relação estreita entre as manifestações sobrenaturais que
estavam acontecendo na igreja de Corinto e o ministério angélico. Tais
manifestações, ou parte delas, não eram produzidas pelo Espírito Santo, e nem
também por espíritos malignos, mas por estes espíritos bons. Outras passagens
onde "espíritos" significa "anjos", segundo Ellis, são 1 Co
14.32; 1 Jo 4.1-3; Ap 22.6.(1)
Embora esta sugestão seja interessante e provocativa, fica difícil ver como
"espíritos" produtores de dons espirituais se encaixam no contexto de
1 Co 14.12 e no ensino de Paulo de que os dons são dados pelo Espírito Santo. O
uso de pneumata em 1 Co 14.12 (bem como nas demais passagens mencionadas acima)
pode ser explicado á luz de 1 Co 12.7, onde Paulo afirma que há diferentes
manifestações do Espírito Santo. Ou seja, o mesmo Espírito manifesta-se de
formas diferentes através de pessoas diferentes. Paulo refere-se a estas
manifestações como "espíritos". Elas eqüivalem aos dons espirituais.
E difícil admitir que Paulo aprovaria um desejo dos crentes de Corinto de
buscar estas entidades celestiais.
Anjos através dos livros do Novo Testamento
A presença e a atividade de anjos registradas nos evangelhos sinópticos
(Mateus, Marcos e Lucas) indicam invariavelmente a intervenção direta de Deus.
Como mensageiros fiéis de Deus, que têm acesso a presença divina (Lc 1. 19; cf
12.8; Mt 10.32; Lc 15.10), a visita ou a intervenção de um deles eqüivale a uma
manifestação divina. A encarnação e o nascimento de Jesus foram marcados pela
presença de anjos, indicando a participação direta de Deus no nascimento do
Messias (Mt 1.20; 2.13,19; Lc 1 . 11; 1.2638).
Embora os evangelhos não registrem quase nenhuma participação direta dos anjos
assistindo a Jesus em seu ministério (o que poderia ter ocorrido, se Jesus
quisesse, Mt 26.52), os anjos acompanharam o Senhor e se rejubilaram à medida
que pecadores se arrependiam (Lc 15.10). As poucas vezes em que se manifestaram
visivelmente tinham como propósito demonstrar que Ele era amado e aprovado por
Deus (Mt 4.11; Lc 2143). Os anjos ainda participaram da sua ressurreição, da
anunciação ás mulheres, e da anunciação aos discípulos de que Jesus havia de
voltar (Mt 28.2-5; At 1.9-11). E o próprio Jesus também mencionou varias vezes
que os anjos participariam da sua segunda vinda e do Juízo final (Mt 13.4 1;
16.27; 24.3 l).
Embora nos evangelhos a atividade dos anjos praticamente se concentre em tomo
da pessoa de Jesus, ele mesmo menciona uma atividade deles relacionada aos
homens, "cuidado para não desprezarem nenhum destes pequeninos. Eu afirmo
que os anjos deles estão sempre na presença do meu Pai que está no céu"
(Mt 18. 10, NVI). Aqui Jesus fala do cuidado vigilante de Deus pelos
"pequeninos ', através dos anjos.
A quem Jesus se refere por pequeninos" tem sido debatido pelos estudiosos,
já que o termo pode ser tomado literalmente (crianças) ou figuradamente (os
discípulos). Talvez a última possibilidade deva ser a preferida, já que Jesus
usa regularmente "pequeninos" para se referir aos discípulos, cf Mt
10.42; 18.6; Mc 9.42; Lc 17.2. Qualquer que seja a interpretação, a passagem
não está ensinando que cada crente ou criança tem seu próprio "anjo da
guarda", como era crido popularmente entre os judeus na época da igreja
primitiva.
Fazia parte desta crença que o anjo "guardião" poderia tomar a forma
do seu protegido (cf. At 12.15). Jesus está ensinando nesta passagem que Deus
envia seus anjos para assistir aos "pequeninos", e que, portanto, nós
não devemos desprezar estes "pequeninos". Esse ministério angélico
para com os "pequeninos" faz parte do cuidado geral que os anjos
desempenham, pelo povo de Deus (cf. SI 9 1.11; Hb 1. 14; Lc 16.22). A passagem,
portanto, não deve ser tomada como suporte á crença popular em "anjos da
guarda".
E importante notar que o Evangelho de João faz pouquíssimas referências á
atividade dos anjos, embora, segundo João, Jesus tenha dito aos seus
discípulos, no início do seu ministério, que eles veriam, os anjos subindo e
descendo sobre si (Jo 1. 51). Possivelmente esta passagem não deva ser
entendida literalmente no que se refere aos anjos, mas apenas como uma alusão
ao sonho de Jacó (Gn 28.12) e ao seu cumprimento na pessoa de Cristo (unindo o
céu á terra). No relato de João das boas novas, os anjos só revelam a sua
presença ao lado da sepultura de Jesus (Jo 20.12) (2).
Estes fatos indicam que as aparições angélicas durante o período cm que Jesus
esteve presente fisicamente entre nós foram relativamente poucas, e quase todas
associadas com o seu nascimento, ministério, morte e ressurreição. Era
conveniente que a vinda do Filho de Deus ao mundo fosse marcada por esta
atividade angélica especial.
Apesar de a narrativa do livro de Atos abranger um período marcado por intensa
manifestação sobrenatural, que foi o nascimento da igreja cristã, as aparições
angélicas registradas pelo autor são relativamente poucas. Não há aparição de
anjos em grupos, á exceção dos dois homens em vestes resplandecentes no local
da ascensão (At 1. 10- 11). Nas intervenções angélicas, é sempre um único anjo
que aparece, o qual é chamado de "um anjo do Senhor" (At 5.19; 8.26;
12.7,15) ou "um anjo de Deus" (10.3; 27.23).
A expressão "anjo do Senhor" não tem. em Atos a mesma conotação que
no Antigo Testamento, onde ás vezes este anjo é identificado com o próprio
Deus. Em Atos a expressão sempre designa um mensageiro angelical. Os anjos
aparecem em Atos com a mesma função principal, que no Antigo Testamento e nos
Evangelhos, ou seja, trazer uma mensagem oficial da parte de Deus (At 5.19;
10.' 10.22; 27.23). A isto se acresce a função protetora, pois por duas vezes
um anjo do Senhor libertou apóstolos da prisão (At 5.19; 12.7). Uma outra
missão de um anjo foi punir o rei Herodes (At 12.23) missão esta já mencionada
no Antigo Testamento (cf Ex 12.13; 2 Sm 24.17)
A atividade dos anjos em Atos, além de bastante discreta, é voltada quase que
exclusivamente para o progresso do Evangelho. Um ponto de grande relevância
para nos hoje é que ela se concentra, em torno dos apóstolos (At 5.19; 12.7
27.23) ou dos seus associados, como Filipe (8.26). A única exceção foi a
aparição a Cornélio (At 10,3). Mesmo assim ocorreu una ponto crucial do
nascimento da Igreja Cristã, que foi a inclusão dos gentios na Igreja. À
exceção deste caso não há registro de aparições de anjos aos crentes em geral,
nem para lhes trazer mensagens de Deus, nem para protegê-los, embora certamente
eles estivessem ocupados em desempenhar esta última; função, provavelmente de
forma não perceptível aos crentes.
O apóstolo Paulo é bastante ponderado no que escreve sobre os anjos, se com
parado com outros autores religiosos não cristãos da sua época. Ele emprega a
palavra aggelos apenas catorze vezes em suas treze cartas. Ele se refere aos
anjos de Deus, não tanto como mensageiro: celestes ou protetores dos crentes,
mas como participantes do progresso do plano de Deus neste mundo, que
participaram da entrega da Lei no Sinai (G1 3.19) e que virão com Cristo para
executar juízo sobre a humanidade (2 Ts 1.7). Estes são os "anjos
eleitos", que assistem diante de Deus (I Tm 5.2 1; cf. Gl 4.14).
Uma possível explicação para a atitude reservada de Paulo é que, para ele, o
Senhor Jesus, é a manifestação suprema de Deus, que suplanta todas as demais,
diante das quais as manifestações angélicas perdem em importância e relevância
(Ef 1.21; Cl 1. 16; cf. Hb 1. 1-2). Em nenhum momento Paulo menciona em suas
cartas encontros angélicos que porventura teve, nem encoraja os crentes a
buscar tais encontros. Some-se a isso a preocupação que demonstra em suas
cartas com aparições e visões de anjos.
O apóstolo teme que anjos caídos, passando-se por anjos de Deus, manifestem-se
em visões com o alvo de enganar os crentes. Ele menciona a possibilidade de que
um anjo do céu venha pregar outro evangelho (G1 1. S), e que Satanás apareça
dissimulado de "anjo de luz" (2 Co 11.14). Ele alerta aos crentes de
Colossos a que não se deixem arrastar para o culto aos anjos propagado pelos
líderes da heresia que ameaçava a igreja, e que se baseava cm visões (C1 2.18).
Uma passagem surpreendente sobre anjos é Gl 3.19, em que Paulo diz que a Lei de
Deus foi entregue ao povo de Israel por meio de anjos. Esse fato no é
mencionado na narrativa da entrega da Lei a Moisés no livro de Êxodo. Sua
veracidade foi aceita possivelmente durante o período do segundo templo, quando
os anjos receberam cada vez mais lugar destacado na teologia do judaísmo, a
ponto de serem reconhecidos como mediadores no Sinai, na hora da entrega da Lei
a Moisés por Deus.
O fato foi aceito como verídico por judeus cristãos como Estêvão (At 7.53), o
autor de Hebreus (Hb 2.2), e por Paulo. Só que, enquanto que para os judeus da
sua época, a presença de anjos no Sinai era algo que exaltava a glória da Lei,
para Paulo, a presença destas criaturas era apenas um sinal da inferioridade da
Lei em comparação ao Evangelho, que havia sido trazido pelo próprio Filho de
Deus, sem mediação de criaturas.
Uma outra passagem difícil de entender nas cartas de Paulo é a enigmática
expressão de 1 Co 11. 10. "Por esta razão, e por causa dos anjos, a mulher
deve ter sobre a cabeça um sinal de autoridade". O que tem os anjos, a ver
com o uso do véu nas igrejas de Corinto? A resposta está ligada a um aspecto da
situação histórica específica da Igreja de Corinto no século I, que nós
desconhecemos. Havia uma idéia estranha na época de Paulo de que Gn 6.1-2 se
referia a anjos que se deixaram atrair pelos encantos femininos (uma tradição
rabínica acrescenta que foram os longos cabelos das mulheres que tentaram os
anjos), A falta de decoro e propriedade por parte das mulheres na igreja de
Corinto poderia novamente provocá-los. O mais provável é que Paulo se refira a
outro conceito corrente que os anjos bons eram guardiões do culto divino, o que
exigiria decoro e propriedade por parte de todos os adoradores. Este conceito
se encaixa perfeitamente no ensino do Novo Testamento de que os anjos observam
e acompanham o desenvolvimento do evangelho no mundo (ver Ef 3. 10, 1 Tm 5.12;
1 Pe 1. 12; Hb 1. 14).
Não há menção de anjos cm Tiago, e nem nas três cartas de João. Pedro menciona
apenas que os anjos anelam compreender os mistérios do Evangelho (1Pe 1. 12), e
que estão subordinados a Cristo (3,22). Em Judas encontramos mais uma
referência enigmática aos anjos, desta feita cm relação ao confronto do arcanjo
Miguel com Satanás, em disputa pelo corpo de Moisés (Jd 9). Esse incidente não
é narrado no Antigo Testamento, mas aparece num livro apócrifo que era bastante
popular entre os judeus chamado A Ascensão de Moisés. Neste livro o autor narra
que, após a morte de Moisés, sozinho no monte, Deus encarregou o arcanjo Miguel
de dar-lhe sepultura. O diabo veio disputar o corpo, alegando que Moisés era um
assassino (havia matado o egípcio), e que, portanto, seu corpo lhe pertencia.
De acordo com a Ascensão, Miguel limitou-se a dizer que o Senhor repreendesse
os intentos malignos de Satanás. Embora narrado num livro apócrifo, o incidente
deve ter ocorrido, e Deus permitiu que, através de Judas, viesse a alcançar
lugar no cânon do Novo Testamento.
A carta aos Hebreus menciona os anjos nada menos que 13 vezes, 11 das quais nos
dois primeiros capítulos, onde o autor procura estabelecer a superioridade de
Cristo sobre os anjos (Hb 1.4-7,13; 2.2,15,16). A razão para esta abordagem foi
possivelmente a exaltação dos anjos por parte de muitos judeus no século I. O
autor, escrevendo a judeus cristãos sentiu a necessidade de diferenciar a mensagem
do evangelho trazida por Cristo, e as muitas mensagens e mensageiros angelicais
que infestavam a crendice popular judaica no século I.
E no livro de Apocalipse que temos a maior concentração no Novo Testamento do
ensino sobre anjos. É o livro do Novo Testamento que mais emprega a palavra
aggelos (67 vezes). Aqui os anjos aparecem como agentes celestes que executam
os propósitos de Deus no mundo, como proteger os servos de Deus (Ap 7.1-3) e
administrar os juízos divinos sobre a humanidade incrédula e impenitente (Ap
8.2; 15.1; 16.1). Apocalipse está cheio das visões que o apóstolo João teve do
céu, e os anjos aparecem como habitantes das regiões celestes, ao redor do
trono divino, em reverente adoração a Deus e ao Cordeiro (Ap 5.11; 7.11),
mediando ao apóstolo João as visões e as instruções divinas (Ap 1.1).
Uma questão que tem atraído o interesse dos intérpretes é o sentido da palavra
"anjo" em Ap 1.20, "os anjos das sete igrejas" (cf Ap
2.1,8,12,18; 3,1,7,14).Alguns acham que João se refere aos pastores das igrejas
às quais endereça suas cartas, já que em Malaquias os líderes religiosos são
chamados de anjos (MI 2.7). Ou então, aos mensageiros (aggelos) das igrejas que
haveriam de levar as cartas às suas comunidades. O problema com estas
interpretações é que a palavra aggelos em Apocalipse nunca é usada para seres
humanos, mas consistentemente para anjos. Por este motivo, outros, como
Origenes no século II, acham que João se refere a anjos reais, já que este é o
uso regular que ele faz da palavra no livro. Estes anjos seriam os anjos de
guarda de cada igreja a quem João manda uma carta. A dificuldade óbvia com esta
interpretação é que as advertências e repreensões das cartas seriam dirigidas a
anjos, e não aos membros da igreja. Além do mais, fica claro pelo fim de cada
carta que elas foram endereçadas aos membros das igrejas (2.7,11,17 etc).
Assim, outros estudiosos têm sugerido que "anjos" representam o
estado real de cada igreja, o "espírito" da comunidade. Esta idéia,
que no deixa de ser curiosa e estranha, tem sido adotada por alguns que
defendem que igrejas têm suas próprias entidades espirituais malignas, que se
alimentam dos pecados não tratados das mesmas (3). Fica difícil tomar uma
decisão. Mas, já que é evidente que os anjos e as igrejas são uma mesma coisa
nestas passagens, a interpretação que talvez traga menos dificuldades é que
aggelos (anjos) se refere aos pastores das igrejas.
Anjos em batalha espiritual
Uma outra passagem cm Apocalipse que merece destaque é a que descreve uma
batalha no céu entre Miguel e seus anjos, contra o dragão e seus anjos, onde
Satanás é derrotado e lançado á terra (Ap 12.7-9). A que evento histórico esta
guerra celestial corresponde tem sido bastante discutido. Para alguns,
refere-se à queda de Satanás no principio, quando se revoltou contra Deus e foi
expulso dos céus. Para outros, a vitória final de Cristo, ainda por ocorrer no
fim dos tempos. O contexto, entretanto, parece favorecer outra interpretação,
ou seja, que esta derrota de Satanás nas regiões celestiais corresponde à
vitória de Cristo, ao morrer e ressuscitar, já que ela aconteceu, "por
causa do sangue do cordeiro" (Ap 12. 10; cf. Jo 12.3 1; 16.1 l).À
semelhança do Antigo Testamento, o Novo é igualmente reservado em narrar estas
pelejas celestiais, e limita-se a registrar dois confrontos do arcanjo Miguel
com Satanás (Jd 9; Ap 12.7-9). Não temos condições de saber quais as razões
para estes embates entre anjos, e nem quão freqüentemente eles ocorrem no
misterioso mundo celestial.
Digno de nota é o fato que Miguel, que no Antigo Testamento aparece como
guardião de Israel, surge aqui em Ap 12.7-9 como defensor da Igreja, liderando
as hostes angélicas contra Satanás e seus demônios, que procuram destruir a
obra de Deus. Sua área de ação não e mais o território de Israel, mas o mundo,
onde quer que a Igreja esteja. A constatação deste fato deveria moderar a
fascinação de muitos hoje pela idéia de espíritos territoriais, maus ou bons,
que seriam supostamente responsáveis por determinadas regiões geográficas, e
que se embatem em busca da supremacia sobre aqueles locais. É possível que as
nações ou outras regiões tenham seus príncipes angélicos, bons ou maus, mas
esta idéia não exerce qualquer função ou influência no ensino do Novo
Testamento, quanto aos anjos e á sua participação na luta da igreja contra os
"principados e potestades, contra os dominadores deste mundo
tenebroso" (Ef 6.12). Enquanto que em Daniel os principados e as
potestades aparecem relacionados com determinados territórios, no Novo Testamento
eles aparecem não mais relacionados com regiões, mas com este mundo tenebroso.
O conflito regionalizado do Antigo Testamento tomou caráter universal e cósmico
com a vitória de Cristo. O diabo e seus príncipes malignos são vistos agora
como dominadores, não de determinadas regiões geográficas, mas "deste
mundo tenebroso". E os anjos agora servem aos servos de Deus, em qualquer
região geográfica do planeta, onde se encontrem.
Postado por Augustus Nicodemus Lopes
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